Uma armadilha chamada proteção veicular
09.10.2017 - Fonte: Tribuna Hoje
Associações vendem serviços semelhantes a seguro de veículos e levam prejuízo a quem acredita fazer bom negócio A proposta é atraente e a vítima nunca consegue perceber que caiu numa armadilha. Convencida de que fez um bom negócio, ela só vai entender que foi enganada quando tentar acionar o suposto benefício e tiver dificuldade ou receber um ‘não’ como resposta. Estamos falando do seguro pirata, que ganhou esse nome porque o serviço, apesar de parecer semelhante ao seguro ofertado pelos corretores credenciados, é considerado falso por ser vendido por pessoas ou entidades que não possuem qualquer regulação e nem estão sujeitas às regras da Superintendência de Seguros Privados (Susep), a autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda responsável pelo controle e fiscalização do mercado de seguro, previdência privada aberta e capitalização. Em Alagoas, atualmente existem cerca de 30 associações que fazem esse tipo de negócio. E, em todo o Brasil, estima-se um prejuízo de R$ 5 bilhões aos cofres da União. Ubirajara de Moraes Sarmento, que preferiu não mostrar o rosto, foi vítima do seguro pirata. Em 2016, ele comprou um carro zero e, claro, para se ver protegido de qualquer problema envolvendo o veículo, resolveu contratar uma proteção. O agricultor, que mora em Cacimbinhas, interior alagoano, já tinha adquirido o serviço por uma seguradora autorizada em anos anteriores, mas, foi seduzido pelo vendedor da concessionária a trocar de empresa e comprar a chamada ‘proteção veicular’. Para isso, ele precisaria ir até Caruaru, local de uma loja filial da associação Innova Benefícios Sociais– cuja sede é em Minas Gerais. Pelo valor ofertado, valeria a pena a viagem até o estado vizinho. “Pelo seguro normal eu pagaria R$ 2,1 mil, já pela proteção veicular, R$ 1 mil. Pensei: vou economizar R$ 1,1 mil e sair na vantagem. Como a propaganda feita para mim foi só falando dos benefícios, eu não me preocupei em pesquisar e, inocente, contratei o serviço. Só vim me dar conta do prejuízo quando um motoqueiro bateu no meu carro e tive que pagar, do meu próprio bolso, R$ 1,8 mil pelo conserto. Ou seja, o dano total a mim causado foi de R$ 2,8 mil”, contou ele. “Eu liguei várias vezes para a Innova, mandei a documentação que pediram, mas sempre existia uma desculpa. Insisti por alguns dias, até a associação me dizer que não havia fundo para arcar com as despesas. Então, como eu precisava do meu carro para trabalhar, resolvi pagar o conserto. Até pensei em contratar um advogado, mas ele me pediu R$ 2 mil. Não compensaria pagar R$ 2 mil para receber de volta R$ 1 mil. Desisti e fiquei no prejuízo. Foi quando decidi procurar a minha antiga seguradora e contratar o seguro normal. Agora sei que estou 100% protegido”, acrescentou Ubirajara de Moraes Sarmento. Em seu site, www.suainnova.com.br, a associação informa que trabalha com um “programa de assistência recíproca e mutualista de fruição exclusiva dos associados” e que é por meio dessa “cooperação que é possível a contratação coletiva de serviços e a promoção de reparação de eventuais danos sofridos nos veículos ou ressarcimento aos participantes do programa”. No entanto, no portal www.reclameaqui.com.br, um dos maiores no ramo de queixas de consumidores, há 82 reclamações registradas nos mais diferentes estados, a exemplo de Alagoas, Pernambuco, Sergipe, Paraíba, Ceará, Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás e Santa Catarina. E para piorar a situação, nenhuma das queixas relacionadas a negativa de pagamento por perda total, proibição de conserto do carro, não cumprimento de prazo, não autorização de locação de carro reserva e mal atendimento foi respondida pela entidade no www.reclameaqui.com.br. RISCOS Sobre o caso do Ubirajara, a associação disse que iria buscar detalhes e, em seguida, daria uma resposta à reportagem. Mas a explicação nunca nos chegou, apesar das repetidas tentativas da reportagem da Tribuna Independente. Em uma das últimas tentativas, depois da reportagem insistir em obter uma resposta, a atendente que se identificou como Silvia, disse com tom de voz alterado que o “associado sabia dos riscos ao aderir aos serviços oferecidos”, e que poderia procurar seus direitos na justiça. Ela também se recusou a passar o contato dos responsáveis jurídicos da associação. É preciso diferenciar seguro da chamada proteção veicular O Sindicato dos Corretores de Seguros e de Capitalização, Previdência Privada e de Saúde no Estado de Alagoas (Sincor/AL) assegura que não há qualquer garantia para quem adere à proteção veicular. E são muitas as diferenças entre ela e o seguro normal, sendo a mais importante o fato de, ao contratar uma apólice para proteger o seu carro, o cliente está transferindo todo o risco para a seguradora credenciada. Já na proteção veicular, passa a vigorar o que as associações chamam de ‘mutualismo’, que é um contrato de responsabilidade mútua, onde o risco é compartilhado com os demais associados. Isso significa dizer que as entidades não têm como garantir o pagamento porque o seu caixa vai depender do rateio que precisa ser feito e pago pelos associados. Outra fundamental diferença é que a proteção veicular não é regida por leis, nem tampouco tem um órgão que fiscaliza as suas atividades. Portanto, não há garantia técnica dos serviços. E para facilitar melhor o entendimento do leitor, a Tribuna Independente preparou uma tabela com essas distinções.