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Seguros de vida oferecem assistência a vítimas de violência doméstica

26.04.2024 - Fonte: UOL

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Desde o início deste mês, o Instituto Mulheres do Varejo oferece uma proteção diferente a suas associadas: um seguro de vida que, entre outras coberturas, garante assistência em situações de violência doméstica. Há seis anos, a organização foi criada após um caso de agressão contra uma executiva do setor.

“Se isso aconteceu com uma amiga tão próxima, poderia acontecer com qualquer uma de nós. Nunca poderíamos saber, então precisávamos nos organizar”, conta Sandra Takata, presidente do instituto. “Mesmo sendo diretora ou CEO, a mulher fica desamparada.”

Hoje, a organização tem no quadro de associadas 350 executivas da área, como supermercados e drogarias. Takata afirma que a ideia de oferecer um seguro com esse serviço surgiu porque associadas a procuravam pedindo orientações sobre o tema.

“Só para você ter uma ideia, no ano passado resolvi dois casos de violência doméstica envolvendo executivos, nível de diretoria mesmo. Executivas da nossa rede casadas com diretores de empresas que nos procuraram para saber o que fazer, pedindo orientação se deviam ir até a delegacia da mulher.”, diz Sandra Takata, presidente do Instituto Mulheres do Varejo.

“Como primeiro passo, tentamos convencê-la a fazer o boletim de ocorrência e pedir pela medida protetiva, mas é um momento muito difícil e elas não querem ir até delegacia, com medo de se exporem”, disse Takata.

O seguro é uma parceria do instituto com a seguradora Clube Infinity. O produto é aberto a associadas e a empresas varejistas que queiram oferecer esse produtos a suas funcionárias. O valor do serviço é de R$ 49,90 mensais.

Para mulheres que sofreram agressão física, o serviço oferece transporte até delegacia ou hotel, onde a mulher tem até quatro diárias para se manter longe e segura do agressor. Além da cobertura em caso de morte acidental, o seguro tem outros benefícios, como assistência nutricional, “personal fitness” e a assistência de saúde em caso de gestação.

A segurada ainda tem orientação jurídica e apoio psicológico. “Nessa hora a mulher não sabe o que fazer. Tem muita vergonha e medo envolvidos”, diz Takata.

Seguradoras tentam incluir mulheres em seus produtos.

A Mapfre, uma das maiores empresas do mercado segurador no país, também passou a oferecer no último ano uma série de produtos voltados ao público feminino. A companhia lançou o “Programa de Cuidado Feminino Ela”, que oferece proteção financeira em situações como diagnóstico de câncer de mama, de útero, de ovário, entre outras neoplasias.

Com coberturas pensadas para a violência doméstica, a Mapfre tem em seu catálogo o “EQL Protege”, lançado em parceria com a plataforma Elas Que Lucrem. O seguro oferece proteções a mulheres cisgênero e transgênero, com opções de suporte jurídico, psicológico e trabalhista.

Hilca Vaz, diretora de Vida e Previdência da Mapfre, afirma que os produtos são inovadores por conseguirem suprir necessidades específicas das mulheres. “O mercado, de fato, tem tentado criar alguns produtos para o público feminino já há muitos anos, mas a falha do setor é criar uma apólice rosa e achar que é um seguro para mulher”, diz.

“Quando olhamos para o período após a pandemia, identificamos uma mudança no comportamento das mulheres, principalmente as jovens. Elas passaram a se preocupar mais com proteção. Isso fez com que, de fato, você conseguisse direcionar e flexibilizar o seu produto para atender esse público”, diz Vaz.

A Mapfre também oferece o seguro EQL Protege em parceria com a plataforma de educação financeira para mulheres Elas Que Lucrem. Neste seguro, existem 39 coberturas com possibilidade de serem customizadas conforme a necessidade de cada mulher. “As proteções têm três pilares: a financeira, com produtos de educação e planejamento de finanças; emocional, com suporte de psicólogos; e física, no sentido de prevenção de doenças, segurança ou mesmo de violência”, conta. Existem planos a partir de R$ 29,90 por mês.

Seguros não substituem políticas públicas.

A jurista Carmen Hein de Campos, professora visitante do mestrado em direito da UFPel (Universidade Federal de Pelotas), integrante do consórcio Lei Maria da Penha e do Conselho Diretor da Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos, afirma que a oferta desses seguros mostra mudança na percepção do mercado sobre quem sofre com violência doméstica.

“Quem faz um seguro de vida tem recurso financeiro disponível para investir em um recurso como este. Isso demonstra a percepção dessas seguradoras de que este grupo de mulheres, que não são o estereótipo de vítima, também sofre a violência de gênero”, afirma a jurista.

“A violência doméstica não se dá somente em camadas mais populares, embora essas mulheres possam estar mais vulnerabilizadas por falta de recursos”, comenta Campos.

Por outro lado, a jurista acredita que esses produtos podem estimular o governo a atualizar políticas de prevenção à violência.

“Talvez o governo possa olhar para essas iniciativas e pensar ampliar o rol de políticas, não ficar apenas nas ações mais tradicionais. Elas não podem ficar na toada das políticas da década de 1980.”, Carmen Hein de Campos, jurista e professora.

Segundo ela, é preciso repensar, por exemplo, na forma como as casas-abrigo foram idealizadas. “Mesmo com as limitações que tem, é um equipamento interessante, mas com uma série de regras, como não poder receber filhos em alguns casos, que inviabilizam as mulheres de utilizarem esse serviço.”

Já a cientista social Ana Nery Lima, especialista em gênero e inclusão da Plan International Brasil, organização de promoção de direitos humanos, afirma que os seguros podem ser uma ferramenta interessante se em consonância com as políticas públicas existentes para a área de combate à violência contra a mulher.

“Para esses casos de violência contra a mulher, sobretudo o que a gente chama de violência doméstica, existe um protocolo nacional complexo. Tem todo um fluxo que vai para além do boletim de ocorrência. Existe uma atenção interdisciplinar de assistência, então esses serviços devem estar alinhados com isso”, pontua Lima.

A especialista também pontua que a existência desses serviços ofertados pelas seguradoras não podem abrir um vácuo na política pública.

 

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