Seguradoras pretendem ampliar lucro cessante no setor elétrico
08.09.2016 - Fonte: Risco Seguro via Sindseg-SP
Marsh vê capacidade, apetite e oportunidade em alta, mas seguro precisa vencer barreiras como preços elevados e falta de clareza nas indenizações Por Oscar Röcker Netto O mercado segurador pretende ampliar a presença do seguro de lucros cessantes no setor elétrico, de acordo com Tiago Favarin de Moraes, líder da área de energia da corretora Marsh. O trabalho, no entanto, exigirá superar diversos desafios para atender as necessidades e os receios dos compradores do seguro, segundo gestores da área. Com histórico mais robusto na indústria, esse seguro apresenta volume de prêmios considerado baixo e com poucos negócios nas operações de energia. Uma das resistências é o preço. Segundo Moraes, a taxa é no mínimo o dobro da aplicada às proteções de danos materiais. Com isso, a venda fica mais complicada. “A falta de volume de prêmios por si só já impacta na contratação”, afirma Marcia Ribeiro, coordenadora do Comitê do Setor Elétrico da Associação Brasileira de Gerência de Riscos (ABGR). Segundo ela, as poucas empresas que contratam o seguro atualmente são as que têm experiência internacional e já o compram em outros países. “E pagam bem por isso”, afirma. “Mas lá fora é muito mais econômico do que aqui.” As dificuldades também incluem estabelecer claramente o volume do lucro cessado em caso de sinistro. “Há muitas variáveis”, diz Ribeiro. “Mensurar isso é algo que precisa ser estruturado.” Alinhar interesses O desenvolvimento deste ramo na área, portanto, demanda alinhar os interesses dos compradores com o das seguradoras, afirmou Moraes durante painel no XV Encontro Anual do Comitê do Setor Elétrico da ABGR, realizado no fim de agosto em São Paulo. “Mas o movimento neste mercado está crescendo; as coberturas vão ser cada vez mais contratadas”, diz. “Já tive consulta de empresas brasileiras, o que até pouco tempo atrás era impensável. Entendo que o caminho é de o mercado de property no Brasil ter cobertura de lucro cessante para todas as empresas [privadas] do setor de energia.” De acordo com ele, há grande capacidade e apetite nas seguradoras para desenvolver o ramo. Além disso, o trabalho vem sendo feito com clausulados customizados — uma demanda sempre presente entre os compradores —, o que tem contribuído para o alinhamento dos interesses de cada lado. A customização das apólices é uma necessidade deste seguro, afirma o especialista. Importar modelos de fora ou desconsiderar as particularidades de cada operação enfraquecem o potencial do seguro. Segundo Moraes, o modelo de funcionamento do setor elétrico é particular ao Brasil. “Não adianta trazer coisas de fora que não fazem sentido aqui.” Fluxo único Moraes explica que o fluxo financeiro nas empresas de energia sofre influência de itens como PLD (Preço de Liquidação das Diferenças), MRE (Mecanismo de Realocação de Energia), MRA (Mecanismo de Redução de Energia Assegurada), TEO (Tarifa de Energia de Otimização) e RAP (Receita Anual Permitida), que deixam o processo mais complexo e geram exposições distintas em lucros cessantes — e que também podem ser afetadas por medidas do governo ou do órgão regulador. O líder da Marsh explica que o padrão no mercado em geral é a energia produzida gerar uma determinada receita, da qual sai o lucro. “O Brasil criou um mercado praticamente desconectado entre o quanto se gera de energia e o quanto se vai receber de lucro”, aponta. “Isso foi feito para incentivar os investidores a entrar no mercado. Gerou um um pepino para seguros, mas que abriu também uma oportunidade para trabalhar de forma diferente as apólices.” Até pouco tempo atrás, o nível de exposição a lucros cessantes de hidrelétricas e PCHs, por exemplo, era baixo. Com o Mecanismo de Reacolocação de Energia em vigor, era possível ganhar dinheiro mesmo que a operação estivesse parada, exemplifica o especialista. “Isso mudou bastante”, diz ele, citando o endurecimento da regras da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o consequente aumento de exposição a lucros cessantes. Em outro exemplo do impacto da sopa de letrinhas do modelo, Moraes aponta que a recente crise hidrológica resultou em um PLD de preços “insustentáveis” para as empresas — o que também contribuiu para impulsionar as batalhas judiciais nos últimos anos. A judicialização de questões do setor elétrico, por sinal, é outro complicador para as apólices. Segundo Moraes, um cuidado a ser tomado nas apólices é estabelecer claramente como fica a cobertura em caso de uma liminar ser criada ou derrubada e impactar o fluxo financeiro da segurada. Vantagens Moraes cita o que considera alguns bons exemplos já concretizados em proteção para empresas de energia feita pelo produto. Nos últimos cinco anos houve pagamento de indenização que chegou a R$ 200 milhões, sendo que 80% desse montante decorreu de cláusulas de danos indenizáveis por lucro cessante. Em outra situação, o valor foi de R$ 160 milhões (com 90% de lucro cessante). Um dos apelos do produto, diz, é cobrir danos materiais por meio de cláusulas de lucros cessantes. Num dos casos, parte da indenização serviu para a empresa comprar rapidamente um novo gerador. “Por isso também que a taxa é mais alta, mas vale a pena”, afirma. “Há apólices que fazem muita diferença para o mercado. É só trabalhar bem a proteção e contratar de uma forma que se mantenha o funcionamento [da operação] e o lucro operacional como se não tivesse ocorrido sinistro.” Cada caso é um caso Além do fluxo financeiro “particular” do setor elétrico brasileiro, a exposição a risco de lucro cessante também varia entre as diferentes operações em energia. Só em geração, há diferentes níveis para hidrelétricas, PCHs, eólicas e solares, por exemplo — e outros para distribuição e transmissão da energia. Segundo Valéria Leite, gerente de riscos e seguros da AES Eletropaulo, estudo feito por sua companhia para compra de proteção para uma hidrelétrica apontou que a relação custo-benefício não era compensadora para a empresa. Por outro lado, numa usina térmica, que passa períodos em hibernação, a empresa contrata o lucros cessantes no momento em que ela entra em operação. “Na AES, estamos vendo até que ponto faz sentido colocar [esse seguro] nas nossas apólices”, afirmou à Risco Seguro Brasil. Evolução privada De acordo com o líder da Marsh, a baixa penetração até agora desse seguro no setor elétrico decorre basicamente de três situações: casos em que o contratante não foi indenizado, forte crença na não ocorrência de sinistro e a prática de recorrer às negociações políticas com a Aneel para resolver problemas. Todos são fatores que sofreram alteração, segundo Moraes. A evolução que ele preconiza neste mercado deverá se restringir às empresas privadas de energia — cerca de metade do mercado, na estimativa do especialista da Marsh. As empresas estatais atuam com base na Lei de Licitações, o que inviabiliza a formatação de apólices de lucros cessantes. “Como não é um produto fechado e demanda negociação, é muito difícil licitar para o setor público; então as empresas não contrata.