>

Órgãos de defesa do consumidor e de regulação alertam para riscos de “seguros” oferecidos por associações

19.10.2016 - Fonte: Rádio Gaúcha

Superintendência de Seguros Privados considera ilegal a oferta da chamada proteção veicular A formação de associações de proteção veicular ganha força entre caminhoneiros autônomos do Rio Grande do Sul. Grupos se unem numa ação entre amigos e dividem a conta em caso de acidentes, furtos e roubos de caminhões. No entanto, não há segurança jurídica para os motoristas associados. Na reportagem anterior, relatamos que caminhoneiros buscaram uma alternativa às seguradoras, já que muitas não aceitavam contratar seguros de veículos mais antigos ou, quando aceitavam, cobravam muito caro. Órgãos de defesa do consumidor e de regulação ouvidos pela Rádio Gaúcha alertam para os riscos de contratar a chamada proteção veicular. Prejuízos sem reparação A reportagem localizou alguns profissionais que não tiveram cobertura, indicados por associações. Eles preferiram não gravar entrevista, já que ainda buscam o ressarcimento de prejuízos na justiça. O caminhoneiro paulista Lacir Martins é um exemplo. Ele teve caminhão Mercedes Bens, zero quilômetro, roubado após seis meses de uso, na Marginal Tietê, em São Paulo, em dezembro de 2011. Lacir pagou na época R$ 280 mil pelo caminhão e se vinculou à Associação dos Caminhoneiros Autônomos de Contagem, em Minas Gerais. Ao acionar a Acas, soube que ela havia sido vendida para outra associação e teve o pedido de pagamento negado. Nenhum diretor dessa associação era caminhoneiro, segundo a Fenacat. A entidade alegou na época que não havia dinheiro em caixa. Depois de um acordo em dez parcelas, recebeu R$ 190 mil. Lacir perdeu R$ 96 mil e ainda recebeu cobrança de IPVA do caminhão pelo Estado de São Paulo. A opção pelo seguro Para evitar riscos, o caminhoneiro autônomo Genário Silva, que é de São Paulo, decidiu pagar mais pelo seguro e ter uma cobertura mais completa. A escolha é baseada nos testemunhos de familiares. “A cooperativa promete muito e no final você fica iludido. Ela te cobra e no final quando você precisa, demora muito tempo para dar o retorno que você precisa. Você compra um caminhão financiado, você trabalho de dia para comer de noite, já não te sobra nada. De 100% o caminho te dá 30% de retorno é muito. Aí você se envolve num acidente e demora de 60 até 90 dias para poder te auxiliar. Algumas delas, não estou dizendo todas. Aí você que vê a diferença do seguro para a cooperativa. O seguro é caro, mas te dá uma auxilio mais rápido que a cooperativa”. Funcionário de uma transportadora de Guarulhos, o motorista Bruno dos Santos teve o caminhão roubado há um mês na marginal Tietê. “O patrão acionou o seguro para receber o valor do caminhão. Dependendo da cooperativa que você está tem respaldo bom. Mas tem umas que não, demoram para devolver o valor do caminhão, você não tem o respaldo no guincho ou uma ajuda mecânica, entendeu? No seguro você já tem essas coisas.” Bruno conta que outro colega teve problema e a solução ocorreu em poucas horas. “Estourou a embreagem dele aqui em Porto Alegre, no posto Garoupa, o patrão acionou o seguro mandou um táxi, ele foi de avião para São Paulo e o guincho veio, buscou o caminhão e levou para são Paulo porque ficava caro trocar a embreagem aqui e trocou em São Paulo”. Defesa do consumidor Coordenadora da Proteste, associação brasileira de defesa do consumidor, Maria Inês Dólci, afirma que as associações não podem vender seguros ou proteção. “Não estão autorizadas a vender seguros. Não há acompanhamento. A única forma é fazer um contrato de apólices coletivas para o cooperados ter direitos segurados. Seria bom que as cooperativas procedessem dessa forma”. Maria Inês Dólci orienta como proceder em caso de não haver cobertura. “A primeira coisa seria a própria cooperativa procurar a Susep (Superintendência de Seguros Privados), estar legalizando, o que traria legalidade ao setor e segurança para o caminhoneiro”. O que dizem os corretores O presidente da Federação Nacional dos Corretores de Seguros, Armando Virgilio, é categórico. “É uma ação entre amigos que pode anoitecer e não amanhecer”. A Fenacor acompanha a evolução das associações e cooperativas de proteção veicular. O dirigente da Fenacor não tem estatística, mas confirma relatos sobre a falta de cobertura. “Temos depoimentos que são inúmeras pessoas que tiveram frustradas expectativas na medida que não tiveram proteção”. Ricardo Pansera é presidente do Sindicato dos Corretores de Seguros do Rio Grande do Sul. Destaca que além de caminhoneiros autônomos, empresas usam os serviços de associações. “Muitas vezes pequenas empresas com 3 ou 4 caminhões. 54” - É um grupo que se reúne, cobra um valor mensal e promete indenização em caso de sinistro”. O presidente do Sincor gaúcho enfatiza que o serviço parece um seguro, mas não corresponde à cobertura de uma apólice legalizada. “Existe uma grande diferença. Tem um órgão fiscalizador, que é a Susep, onde o consumidor tem garantia. Enquanto que nessas associações é um seguro marginalizado. Não tem responsabilidade de pagar tributo. Os corretores é que orientam e fazem a intermediação e pagam os tributos”. Pansera alerta para o risco de o consumidor ficar na mão em caso de sinistro. “Ele fica sem nenhuma espécie de garantia. É uma relação de boca a boca, um papel que está dando ao consumidor, mas não tem nenhum órgão que obrigue a fazer o que foi prometido”. Além do prejuízo ao caminhoneiro, o Sincor sofre impacto na imagem do seguro. “Esses não pagamentos de indenização impactam na imagem do seguro que é um produto sério, dentro daquilo que está acordado”. Pansera teme uma proliferação de associações sem regulamentação e pagamento de impostos. “Através de associações daqui a pouco, pode ter associações de qualquer tipo de atividade, como taxistas, motoqueiros. Então, de certa forma, é predatório e paga o governo que deixa de arrecadar com o tributo”. O Sincor tem agido paga evitar o aumento das associações por entender que a prática desequilibra o setor. “Temos feito denúncias. Polícia Federal tem fechado associações”. A entidade faz um apelo aos caminhoneiros para ter cuidado ao aderir a serviços sem regulamentação. “Temos orientado os consumidores a terem mais consciência do risco ao adquirir um seguro pirata. Consideramos uma prática de médico que se diz curandeiro. É a analogia que podemos fazer”. No estado de Goiás, a situação é ainda pior. A oferta de serviços por associações vai muito além de veículos. A constatação é do Sindicato dos Corretores de Seguros do Estado de Goiás. Vice-presidente técnico Hailton Costa Neves. “Hoje, as associações aqui no estado, elas existem para veículos, caminhões e até planos de saúde”. Além da credibilidade do mercado do seguro, Neves enumera as perdas causadas pelo mercado paralelo. “No financeiro que a pessoa paga e não recebe. Dos impostos não recolhidos, do direito do consumidor”. O Sincor goiano ingressou com reclamação no Ministério Público de Goiás. Segundo a entidade, o caso não foi levado adiante pelos promotores, que entenderam não haver crime contra a economia popular. Hailton Costa Neves alerta que a falta de regulamentação irá causar um dano sem precedentes. “Se pega uma associação dessas, não segue as regras de um mercado regulador. Uma parte do dinheiro é fazer reserva técnica”. O impacto já sentido pelos profissionais fiscalizados pela Superintendência de Seguros Privados. José Roberto Dal Moro, 56 anos, da Dal Moro Corretora de Seguros de Porto Alegre, trabalha no ramo há 20 anos. Tem clientes em diversos estados, entre eles, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraíba e Santa Catarina. “Porque são oferecidos valores de seguros muito abaixo do mercado segurador. Ou seja, vende ilusões, né. Quando a seguradora, junto com seus corretores, que pagam seus impostos, obviamente não poderão exercer os mesmos valores que as associações exercem, pois não se sustentariam no mercado. Essas associações são sem registro na Susep. Elas não podem comercializar seguros. O seguro somente é comercializado por corretores de seguros”. Dal Moro reclama também da concorrência desleal praticada pelas associações. “Podemos sugerir para esses consumidores desses produtos não venham a adquirir essas ofertas, que são delituosas, né. Em um suposto sinistro não serão ressarcidas”. O que diz o órgão regulador O tema é novo e gera controvérsia. A Superintendência de Seguros Privados tem ajuizado ações contra as associações que oferecem proteção veicular. O superintendente da Susep Joaquim Mendanha de Ataíde revela. "A Susep já foi responsável por 171 ações civis públicas que já estão em judice contra cooperativas e outras instituições que operavam ilegalmente como seguradora não regulada". No próprio site da Susep há uma nota tratando do assunto. A instituição reguladora afirma que algumas associações e cooperativas estão comercializando ilegalmente seguros de automóveis com o nome, por exemplo, de "proteção", "proteção veicular", "proteção patrimonial", dentre outros. Destaca que como essas associações e cooperativas não estão autorizadas pela Susep a comercializar seguros, não há qualquer tipo de acompanhamento técnico de suas operações. A Susepe acrescenta que a única forma legal dessas associações e cooperativas atuarem é contratando apólices coletivas de seguros junto a sociedades seguradoras devidamente autorizadas pela Susep, passando a representar seus associados e cooperados como legítimos segurados. Por fim, a Superintendência de Seguros Privados alerta que antes de contratar um falso seguro, que as pessoas consultem o nome da sociedade seguradora no site da Susep e leia as condições gerais do contrato de seguro. O que dizem entidades que representam transportadoras e caminhoneiros O presidente da Federação dos Caminhoneiros do Rio Grande do Sul, André Costa, reconhece a ilegalidade das associações e justifica o avanço da prática. “É uma situação de mercado, que a categoria, como qualquer outra situação paliativa, mas não podemos fechar os olhos que as associações estão na ilegalidade”. O presidente da Federação das Empresas de Logística e Transporte de Cargas do Rio Grande do Sul (Fetransul), Paulo Vicente Caleffi, reconhece que profissionais autônomos se juntam para tentar reduzir custos. “Não existe legalmente, mas acharam uma maneira de fazer a mesma coisa com o seguro numa forma reduzida. Não podemos fechar os olhos que a atividade não é legal”. Associações questionadas na Justiça O Ministério Público Federal confirma que ações estão tramitando mas evitou comentar o tema já que decisão final. No Rio Grande do Sul, há ações tramitando na Justiça Federal. Em Passo Fundo, na Região Norte, há cinco processos movidos pela Susep contra associações. Três foram analisadas pelo juiz Rafael Castagnaro. “Eu não julguei nenhum processo, mas desde o deferimento da liminar, me pareceu claro que há cobertura de um risco, da cobrança de um valor equivalente ao seguro. Tudo semelhante ao contrato de seguro. O problema que o contrato é altamente fiscalizado. Não é permitido a toda e qualquer empresa”. Seguradoras A Rádio Gaúcha entrou em contato com a Federação Nacional de Seguros Gerais, que representa as seguradoras. Através da assessoria de imprensa, a entidade afirma que prefere não se manifestar, porque o caso está sendo analisado pela Susep. Próxima reportagem Na próxima reportagem, confira o que está sendo feito pelo Congresso Nacional para tentar regularizar a situação e tirar as associações da ilegalidade. Ouça a reportagem completa aqui.

Notícias Relacionadas