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Multidisciplinaridade na análise preditiva de vulnerabilidades territoriais a extremos climáticos

28.08.2024 - Fonte: Seguro Gaúcho I André Bresolin

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A maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul afetou mais de 2 milhões de pessoas, causando morte, destruição e devastação em áreas urbanas e rurais. As enchentes de 2024 também provocaram forte impacto na economia gaúcha, paralisando ou reduzindo drasticamente a atividade produtiva. Até o aeroporto Salgado Filho foi duramente atingido e permanece fechado para a execução de obras de reconstrução essenciais ao seu funcionamento regular. Para tentarmos compreender os trágicos acontecimentos é preciso estabelecer relações com os riscos climáticos e ambientais.

Diante desse enfoque, o Seguro Gaúcho realizou uma entrevista exclusiva com o biólogo, advogado, perito judicial e mestre em perícias criminais ambientais, Ricardo Boelter Moraes. O especialista fez análises e ponderações sobre causas, consequências e desdobramentos dos riscos climáticos e ambientais. 

Professor de pós-graduação em Direito Urbanístico e Ambiental, Moraes tem intensa atuação como consultor para escritórios de advocacia e empresas na elaboração de produtos personalizados destinados ao mercado que atende ao meio ambiente. Seu trabalho consiste em realizar mapeamentos de risco ambientais para embasar a decisão de um empreendimento em realizar um projeto, fazer sua remodelação ou até mesmo declinar da continuidade do negócio. 

Moraes já participou de diversas perícias judiciais, diante de seu conhecimento e da atual realidade ele faz um alerta preocupante em relação a questões legais relacionadas ao meio ambiente. O diagnóstico e monitoramento de riscos, bem como os cálculos atuariais, a partir de dados históricos, têm se mostrado insuficientes para uma equilibrada alocação de riscos. Em tempos de crise e mudanças climáticas há necessidade de uma virada no foco de análise dos riscos, ou a inclusão de novas variáveis: os riscos socioambientais podem ser calibrados e mensurados segundo modelos de vulnerabilidades de espaços territoriais. Nas operações de seguros, na escolha de variáveis para os cálculos atuariais, dos mais diversos ramos e produtos de seguro, não são consideradas, de forma adequada, a análise das áreas e espaços de exposição dos bens segurados a eventos climáticos extraordinários. Tal falha é relevante, podendo ser atribuível à ausência de correlação entre os dados públicos existentes sobre áreas vulneráveis a extremos climáticos, bem como os níveis de riscos e vulnerabilidades. Tal se deve especialmente pela ausência de sistematização e confiabilidade dos dados públicos disponíveis, como por exemplo da Defesa Civil, Cemaden, bancos de dados estaduais ou municipais, dentre outros.

Seu conhecimento científico e sua ampla bagagem profissional o credenciam para afirmar que: “as áreas de preservação permanentes precisarão ser respeitadas e o respeito a essas áreas é um caminho civilizatório”. De acordo com Moraes, com o passar do tempo o crescimento e a expansão foram os reflexos do desenvolvimento da sociedade. Entretanto, isso gerou problemas sociais e ambientais: “a população, principalmente os mais vulneráveis foram sendo deslocados para locais mais perigosos, no caso as áreas de preservação permanente”. Diante desta realidade, ele chama atenção para a perspectiva da justiça ambiental. “Enquanto as externalidades negativas puderem ser transferidas para as pessoas mais pobres, a pressão geral sobre o sistema não irá acabar. Em relação aos desastres climáticos, suas repercussões econômica, social e política também começam pela proteção dos mais fracos”, enfatizou Moraes. 

Ao estabelecer a relação existente entre áreas de preservação permanente e áreas de risco, o perito judicial explica que as normas ambientais são essencialmente científicas, mas que no Brasil existe diferença entre o que a ciência recomenda e o que é legislado. Para ele existem ruídos semânticos que precisam ser acordados: “a legislação ambiental brasileira protege muitas vezes áreas que não precisariam de tanto amparo do ponto de vista técnico e deixa de proteger áreas que necessitam de maior atenção”. 

Convivendo frequentemente com os empresários, pessoas do ambiente acadêmico e do movimento ambientalista o especialista tem plena convicção de que o planeta atravessa uma fase de mudanças ecológicas naturais que são potencializadas pela questão antropogeográfica. “Percebo que existe um abismo assustador entre o que a área do direito aponta, o setor econômico propaga e o que a ciência afirma. É preciso realizar a interface entre ciência e direito para diminuir os ruídos semânticos em relação à realidade existente”, explica Moraes. 

Na avaliação do especialista, as análises preditivas de risco em função de mudanças climáticas e ambientais não irão obedecer às metodologias tradicionais. Não existe recurso genérico para essa questão, mas sim soluções multidisciplinares que mapearão as complexidades para que se consiga obter em nível de paisagem e ocupação de território uma melhor definição das áreas de risco. “Atualmente os mapas oficiais e os estudos que temos a disposição não satisfazem o mercado. Estamos lidando com uma perspectiva de alta complexidade que deseja soluções rápidas. Entretanto, é preciso que sejam realizados estudos detalhados, o que leva tempo, além do desenvolvimento de algoritmos. É necessário que exista uma boa base de dados que ainda necessitará de aperfeiçoamento constante”, explica. De acordo com Moraes, o mercado de avaliação de prêmios de seguros precisará realizar ajustes para realizar as leituras atuais das áreas de risco: “essa questão é abrangente, pois os mapeamentos públicos existentes necessitam ser atualizados”. 

Embora as seguradoras brasileiras tenham reservas técnicas para fazer frente ao pagamento de todas as indenizações decorrentes das enchentes e inundações ocorridas em 2024 no estado, o futuro poderá ser preocupante já que os eventos climáticos têm ocorrido com maior frequência. A catástrofe climática está oportunizando lições e aprendizados para todos e a sociedade começa a ver que existem lugares em que não poderão mais ser realizadas construções. O progresso precisa ser pensado dentro da realidade de um novo mundo que se modificou. 

Foto: Simone Menezes

Saiba mais 

Ricardo Boelter Moraes é Biólogo, Advogado, Especialista em Direito e Gestão Ambiental, Especialista em Processo Civil e Mestre em Perícias Criminais Ambientais. Atua profissionalmente como Perito Judicial, Consultor Ambiental e Palestrante. Diretor e Co-fundador da Empresa VM GEOAMBIENTAL. Membro da Comissão de Direito dos Desastres da OAB/SC. Professor da Disciplina de Espaços Territoriais Ambientalmente Protegidos: Áreas de Preservação Permanente da Pós-graduação de Direito Ambiental e Urbanístico da UNICESUSC.

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  • E-mail: vmgeoambiental@gmail.com

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