>

Multa regulatória: entre o espetáculo e eficiência

07.02.2017 - Fonte: <a href="http://www.cnseg.org.br/cnseg/home.html" target="_blank">Cnseg</a>

cnseg-300x297

Confira artigo dos advogados Alice Voronoff, Rafael Koatz e André Cyrino, publicado no jornal Valor Econômico O pedido de recuperação judicial da Oi S.A., uma das maiores empresas de telecomunicações do mundo, assombrou o país em 2016. Vieram à tona as cifras bilionárias envolvidas na recuperação – a maior que se tem notícia no Brasil. Dentre elas, causaram espanto os valores vultosos devidos à Anatel a título de multas aplicadas e não pagas. São muitos bilhões de reais. Segundo os veículos de comunicação, algo em torno de R$ 10,6 bilhões. No setor de saúde suplementar, os valores referentes às multas devidas pelas empresas que atuam naquele mercado também são superlativos. Dados divulgados pela ANS dão conta de que, só no primeiro semestre de 2016, a agência reguladora aplicou multas de mais de R$ 612 milhões, patamar que supera o de todo o ano de 2015, em que computados R$ 552,3 milhões. Embora esses dados possam passar a sensação de que as agências reguladoras estariam atuando de forma ativa e efetiva para a melhoria da qualidade dos serviços prestados à população, é fundamental realizar uma reflexão sobre o tema. Mais autuações não significam melhoria na qualidade do serviço, podendo, em verdade, até mesmo comprometê-lo Números tão elevados como esses preocupam. Mais punições indicam maior descumprimento das regras estabelecidas. No mínimo, eles são indício de que as coisas não andam bem. Pode ser que os agentes do mercado estejam prestando serviços ruins, ou que a regulação se apresente excessivamente rigorosa e precise de ajustes. Pode ser, ainda, que a agência tenha fracassado na missão de estabelecer regras que gerem incentivos adequados para que os usuários dos serviços não sejam prejudicados. Ou todas as alternativas anteriores. É necessário mudar. Especificamente, é preciso abandonar o sofisma de que a eficiência da agência reguladora e o sucesso de sua atividade fiscalizatória devam ser aferidos por meio do número de autuações aplicadas. Mais autuações não significam melhoria na qualidade do serviço, podendo, em verdade, até mesmo comprometê-lo – do que o caso da Oi, talvez, possa servir de exemplo. Faz-se urgente transformar a visão sobre como conduzir o processo de fiscalização dos serviços concedidos e atividades reguladas, bem como sobre o que dele esperar. É necessário evoluir de um modelo de comando e controle para a progressiva adoção de um mecanismo mais centrado na lógica de incentivos indiretos. Isso não implica negar a importância da atividade punitiva. O que se pretende, apenas, é ressaltar que o modelo com foco na sanção tem se mostrado muitas vezes ineficaz. Até mesmo porque, descumprir regras e sujeitar-se a uma multa pode ser mais “eficiente” na planilha de custos e benefícios do administrado do que ajustar a sua prática a imposições que, vindas de cima pra baixo, podem não levar em consideração dificuldades e peculiaridades para sua implementação. Multas elevadas não denotam, necessariamente, maior punibilidade, ou mesmo maior arrecadação para o Poder Público (ainda que tivessem fim arrecadatório). Na prática, sanções desarrazoadas e espetaculares são um estímulo ao inadimplemento. Ao invés de pagar, o agente regulado é levado a buscar meios para se eximir da obrigação ou postergá-la (dentre eles a judicialização). Ou seja, é provável que mais multas, em valores mais elevados, levem a mais ações judiciais. No final, o saldo são mais custos e não mais eficiência ou qualidade do serviço. Daí a importância de que a racionalização do modelo sancionatório integre a agenda de legisladores, reguladores e gestores públicos. A sanção administrativa, da forma como tradicionalmente concebida no Brasil, perdeu em grande medida a capacidade de conformar condutas e garantir bons serviços aos usuários. É verdade que a tarefa de recolocar as punições em seu devido lugar (ou de devolver-lhes a racionalidade) não é fácil; mas há caminhos a serem testados. Vai nesse sentido a percepção de que as sanções não devem funcionar como meras reações formalistas, exacerbadas e “espetaculares” do poder público aos que infringem a legislação, mas como última ratio. Mais do que simplesmente punir, é preciso que as agências estimulem comportamentos de adequação à regulação. E isso pode passar pela eventual flexibilização da aplicação de sanções pecuniárias, com maior estímulo a soluções negociais, bem como pela própria revisão da regulação setorial, após um diálogo franco e aberto entre reguladores e regulados. Outra preocupação gira em torno da maior racionalização do processo administrativo sancionador no âmbito das agências. Nesse sentido, é louvável a iniciativa da ANTT de submeter a audiência pública minuta de resolução para tratar da aplicação de atenuantes e agravantes no processo sancionatório de concessões rodoviárias. Alice Voronoff, Rafael Koatz e André Cyrino são advogados.

Notícias Relacionadas