A decisão do STJ sobre os planos de saúde
28.06.2022 - Fonte: Agrifoglio Vianna Advogados Associados
Leia o artigo de Lúcio Roca Bragança, advogado do escritório Agrifoglio Vianna e membro da Comissão Permanente de Seguros (COSEG)
Em 08/06/2022, o Superior Tribunal de Justiça proferiu o aguardado julgamento sobre o caráter taxativo ou exemplificativo do rol procedimentos e eventos obrigatórios elaborado pela Agência Nacional de Saúde (ANS) – decisão que uniformiza o entendimento do Judiciário em todo o território nacional.
A contenda gira em torno do seguinte ponto: a cada seis meses, a ANS divulga uma lista com os procedimentos a que as operadoras estão obrigadas a cobrir; coube ao Tribunal Superior decidir se essa lista exaure os procedimentos obrigatórios ou se os segurados, mediante comprovação médica de necessidade, podem obter, judicialmente, uma cobertura mais ampla, obrigando as operadoras para além daquilo que fora contratado.
E a decisão foi no sentido de que a lista da ANS esgota a obrigação das operadoras, podendo ser excepcionada apenas em casos extraordinários e mediante requisitos específicos, como ausência de indeferimento prévio expresso pela ANS do tratamento, reconhecida comprovação de eficácia e aconselhamento do magistrado por experts.
Este posicionamento vem sendo severamente criticado por ativistas e entidades de defesa do consumidor, sob o argumento de que, se as pessoas forem privadas de tratamentos não contemplados pela ANS, podem vir a sofrer danos irreparáveis, ou mesmo vir a falecer.
Com efeito, não é fácil decidir sobre questões que põem em risco a saúde e a vida das pessoas. E a questão é mais complexa do que pode parecer à primeira vista porque uma decisão que liberasse todo e qualquer procedimento também teria consequências potencialmente fatais. É que, quanto mais ampla a cobertura, maior o custo e, por conseguinte, maior o preço a ser repassado ao consumidor, o que, nas atuais circunstâncias, importa em excluir pessoas do sistema.
Pesquisas realizadas revelam que 47% dos segurados tiveram de reajustar seu orçamento para manter o plano, sendo que 83% têm medo de perdê-lo. Reflexo do já alto custo dos planos é a inadimplência do setor, que está em 10%. E, também, a alta taxa de troca de planos, motivada, principalmente, pela necessidade de reduzir o dispêndio, ainda que acarretando uma cobertura menos abrangente. Tal necessidade motivou 40% dos pedidos de mudança de plano em 2020, 46% no ano passado e 36% em dados contabilizados até abril deste ano.
Não há dúvidas, pois, que aumento de custo importa em exclusão, o que foi devidamente considerado na decisão em comento pelo Min. Salomão ao pontuar que “Considerar esse mesmo rol meramente exemplificativo representaria, na verdade, negar a própria existência do ‘rol mínimo’ e, reflexamente, negar acesso à saúde suplementar à mais extensa faixa da população.”
Outro ponto destacado no voto vencedor é a necessidade de se prestigiar a Agência voltada exclusivamente a disciplinar o setor, destacando-se que “não é possível a ilegítima invasão do magistrado em seara técnica com a qual não é afeito.” Sem embargo, todos os jurisdicionados têm um direito fundamental a uma prestação estatal racional, o que, muitas vezes, não acontece no Brasil, onde o empresariado está submetido a uma fiscalização díspar e multifacetada, tendo de atender disposições do PROCON, Judiciário, Agência Reguladora e Ministério Público, cada um com seu próprio entendimento sobre o mesmo tema.
No caso específico do seguro-saúde, soa incongruente que a ANS defina o percentual de reajuste anual dos planos com base na atualização da lista de tratamento obrigatório e, de outra parte, o Judiciário invalide a lista para incluir novos procedimentos para os quais não houve o correspondente subsídio financeiro.
Por fim, a decisão permite que os casos excepcionais sejam tratados excepcionalmente, o que, se, por um lado, deixa espaço, em certa medida, para a continuidade da judicialização, não chega a comprometer a previsibilidade e segurança indispensáveis à higidez econômica do sistema. Mostra-se consentânea à evolução do próprio papel da atuação estatal na sociedade, em que “um Estado liberal cede seu lugar a um Estado intervencionista, que, por seu turno, parece ceder seu lugar a um Estado árbitro-regulador”.